quarta-feira, fevereiro 21, 2007

o sabor da chuva

Ontem choveu bem... Luanda se enchia de água nas ruas e demais buracos que existissem.
Eu saboreei a água, a sua queda e a sua força. Apesar de preocupado, sabia-me bem.
As ruas iam se enchendo de lagoas com leves ondas. De vez em quando, lá ia um pezito para um banho.  À noite, aqui na Paróquia, foi uma grande festa... sabem para quem? para os meninos de risco que por aqui perto moram. A alegria deles era imensa... aproveitavam todos os locais de queda de água, tubagens, para sentirem o peso das cascatas pequenas... Saltavam, pulavam, brincavam, e aproveitavam para ter um banho bem fresco.  O pátio da casa, coberto por um manto de água, serviu de campo de futebol para eles... um bom jogo. Mais interessante foi a alegria com que viviam a vinda da chuva. Pensava para mim: "Eles estão contentes, mas outros, como estarão...".

O tempo surge, a chuva cai, é tempo que urge, que bem vai.

na Paz de Cristo Crucificado.

Pedro Barros

terça-feira, fevereiro 20, 2007

O mundo das bombas de abastecimento.

O mundo das bombas de abastecimento.

 

           Todos nós sabemos que Angola é bem rica em petróleo. Até poderíamos pensar que as bombas de abastecimento não têm nenhum transtorno e estão sempre em funcionamento. No entanto, a procura de gasóleo é bem elevada, razão que se deve também aos geradores de electricidade que a população tem em casa [coisa que seria desnecessária, dado a quantidade de energia que há em Angola, e serviria muito bem para toda agente ter electricidade 24horas por dia]. Uns destes dias da semana iniciámos uma maratona. Saímos de casa por volta das 22h00 em busca de gasóleo para abastecer o carro e os geradores, quer daqui da comunidade de São Paulo quer da comunidade do Mota. Difícil foi encontrar uma bomba onde houvesse gasóleo e que não tivesse filas de 50 metros [já habitual]. Diria que o problema é falta de bombas. Para além disto, e porque parece regra, os camiões que abastecem as bombas saem todos ao mesmo tempo para ir a caminho das mesmas, o que resulta em bombas fechadas e filas cada vez maiores. E a maratona consiste em percorrer a cidade de Luanda a tentar encontrar algum local que não esteja fechado para abastecer e que tenha principalmente gasóleo. É preciso ter sorte. Conseguindo num sítio, o funcionário diz claramente:”Só dois bidões…”, limitando o que precisamos, e tínhamos seis. Neste local não pudemos fazer nada. Era cerca de 00h00 quando daí saímos, e fomos percorrer novamente as bombas, e passando por algumas fechadas, fomos ter a uma que no início da maratona estava a abastecer, mas naquele momento já estava aberta. Aí conseguimos abastecer tudo… mas tivemos que pagar um pouco mais na conta [“para uma gasosa”], porque caso contrário seriam apenas mais dois bidões. Era 1h00 e chegávamos a casa. Esgotados e cansados, fomos descansar.

A roda dos meninos!

A roda dos meninos!

 

           Numa noite escura, na estrada de terra, passava. Estava a chegar à Casa Magone (dos meninos de risco), no bairro do Mota. Fui visitá-los. Ia cumprimentando todos, mesmo sem saber o nome de todos. A curiosidade invadiu as mentes de alguns, e em breves minutos, ali se fez uma roda. Uma roda de perguntas, que nem conseguia dar vazão a todas as questões e pedidos: “Troca de pele comigo./Leva-me na tua mala./As coisas lá no Portugal são melhores que aqui?/ Lá também existem bandidos?/E bairros como este, há?/ Gostas de Angola?/Porque não ficas aqui connosco?/Já estiveste alguma vez com o Mantorras?E o Simão?...”; e aí continuaram. Todos olhavam expectantes à espera da(s) minha(s) resposta(s). Acima de tudo quis que eles percebessem a valorizar as suas raízes… Aquele bocadinho de conversa fez-me sentir que tenho muito mais para fazer ainda por cá, eles precisam de ser escutados e precisam de alguém que os apoie, que os auxilie, e acima de tudo, que os amem, como se de filhos se tratassem. Algumas vezes, a rua não é fruto de liberdade, mas da procura de algo que podem não ter em casa, tal como um dos meninos dizia:”a minha mãe batia-me muito…”. Esta procura, muitos vêm o refúgio na rua. Daí partirem à descoberta de mundos banais, mundanos e perigosos.

sábado, fevereiro 10, 2007

Uma caminhada de amor

Há coisa que não dispenso quando me desloco por cá [Luanda], uma boa caminhada. Foi o que fiz hoje [5 de Fev.], uma invasão na terra poeirenta desde o bairro da Lixeira até ao bairro do Mota.

Caminhando sobre este sol arrasador e clima abafado, mas ultrapassando isso, fui sempre com um sorriso na cara. Aproveitei para cumprimentar mamãs e papás (que ainda não conhecia, pois esse caminho não faz parte das minhas andanças), sorrir com as crianças e para elas ( cumprimentam com uma palavra tão singela de quem não lhes quer fazer mal nenhum: “Amigo?”).

É um caminho cheio de altos e baixos, com buracos fundos e zonas planas, contendo lixo tanto do lado esquerdo como direito… Que importará isto?

São muitos os que fazem a sua vida durante o dia fora de casa, ou melhor, junto à porta de casa. É uma imensidão de pessoas, jovens e crianças. Uns jogam futebol; outros enconstam-se à parede apanhando a pouca sombra que têm; outros com as suas barraquinhas vendem principalmente gasosa, cerveja,… É o refúgio para alimentar quem vive no lar.  

Todos dizem ser perigoso andar sozinho pelo bairro, e é verdade, mas, se vivermos todos com medo, nunca avançaremos na confiança de Deus. Eu caminho na confiança e, quero mostrar como a vivo. Afinal, acima de tudo, sou testemunho de Cristo,e faço-o por isso. Tudo correu bem e cheguei ao destino na paz que Deus queria para mim naquele momento.

[9 de Fev.]

Depois de almoçar na Delegação Salesiana, onde trabalho, vim até casa, na paróquia. Tomei um banho de água fria para suportar a caminhada que ia fazer. Ia trabalhar para o bairro da Lixeira. No entanto, ainda exitei em apanhar o Candongueiro ou ir a pé, e levei dinheiro de reserva caso mudasse de ideias pelo caminho. Mas fui, fui… cheguei ao Mota sem problemas, já bem transpirado. Aí, cumprimentei os meninos da casa Magone  e da Mamã Margarida. Disse-lhes que depois passaria à noite, com mais calma. Tinha de estar às 14h00 na Lixeira e já ia um pouco atrasado. Fui penetrando nos bairros, e quase na saída do Mota, sou abordado por uma rapariga que eu já tinha conhecido em Agosto, e ela disse o meu nome e tudo. Muito simpática, e ali estive a falar um pouco com ela. Tenho que arranjar tempo para estar com as pessoas… e não apenas estar fechado num local. É, também, por isso que gosto destas caminhadas.

Passando o Estádio do Progresso, ainda em construção [e já lá vai muito tempo], um rapaz diz-me:  tem que usar chapéu, este calor faz mal”. Impressionou-me a sua preocupação, e a sua chamada de atenção. Um pouco mais à frente, olho para um grupo de rapazes que sobre uma sombrita também me olham fixamente. Dou mais alguns passos, e eles assobiam e chamam-me ”branco”. Eu começo a falar com eles, interpelando-os se estava tudo fixe, dizendo que sim; depois, pedem-me dinheiro para gasosa, onde lhes disse negativamente que não tinha… apalpei os bolsos e tudo. Quando ando sozinho, vou sempre limpinho de tudo, dinheiro, chaves, telemóvel... Mas, depois respondi-lhes que se tivesse não me importava de tomar uma com eles. Ficando por aqui, avancei, e quase chegando ao destino, estavam três rapazes conversando e disse-lhes um olá, e retorquiram “vais ao Dom Bosco? (apelidam o local dos salesianos na Lixeira de Dom Bosco). Disse que sim. Perguntaram também se vinha de São Paulo, e ao dizer-lhes que sim, disseram “a pé?”(cara de espanto). Apresentei-me e eles também. De seguida, fui ao CEFAS (Centro de Saúde), onde trabalha a Irmã Donária (Ir. Sacramentinas). Fui ao gabinete dela, e estava com uma cara muito pálida, de cansaço e magrinha. Questionando-a, ela disse, que estava com Paludismo e Febre Tifóide. Espero que ela melhore. Por fim, cheguei ao Dom Bosco, feito em água.

 

Podia dizer muito mais, mas queria reflectir nos acontecimentos desta caminhada, uma caminhada de amor. Os caminhos de Deus são infinitos, assim como as suas provações.

Pode-se ler, escutar, , mas nós, como seres únicos, também vivemos na unicidade de cada um. Eu sinto, os outros sentem, mas nunca a causa-efeito será a mesma. 

 

na paz de Cristo crucificado

Pedro Barros